Dúvidas
semânticas
A palavra é sempre um assunto
apaixonante. Algumas vezes somos traídos por nós mesmos. Imaginamos que conhecemos
o significado de uma palavra, e de repente a surpresa: lá está o velho
dicionário para nos dar mais uma lição.
A coluna de hoje é feita com a
contribuição dos nossos leitores.
1ª) Leitor quer saber: “Uma
decisão ARBITRADA é necessariamente ARBITRÁRIA?”
Segundo a maioria dos nossos
dicionários, deveríamos fazer a seguinte distinção:
a) “Uma
decisão ARBITRADA” é aquela que foi julgada por um árbitro. ARBITRAR é decidir
na qualidade de árbitro; sentenciar como árbitro. ÁRBITRO é o juiz nomeado
pelas partes para decidir as suas questões.
b) “Uma
decisão ARBITRÁRIA” é resultante de arbítrio pessoal, ou sem fundamento em lei
ou em regras.
Portanto, uma decisão ARBITRADA não é necessariamente ARBITRÁRIA.
2ª) Outra leitora apresenta sua dúvida: “Hoje não leio nada que
contenha o termo LENDÁRIO, e sim LEGENDÁRIO. Sei que lenda em inglês é legend,
mas por acaso estou equivocada ou nós temos uma palavra apropriada para o termo
aportuguesado?”
Segundo nossos dicionários, LENDÁRIO e LEGENDÁRIO podem ser
usados como sinônimos. Está registrado no dicionário Michaelis: “LEGENDÁRIO 1.
Que se refere a legenda. 2. Que é da natureza das lendas; lendário.”
LENDÁRIO é derivado de LENDA
(narrativa em que fatos históricos são deformados pela imaginação popular ou
pela invenção poética);
LEGENDÁRIO é relativo a LEGENDA (inscrição, dístico, letreiro,
vida dos santos, lenda).
3ª) Leitor quer saber: “a
diferença entre ESTÓRIA (=fantasia) e HISTÓRIA (real) ainda está valendo?”
O problema é que a palavra
HISTÓRIA pode ser usada tanto para as narrativas de fatos (=realidade) quanto
para as lendas, fábulas, narrativas de ficção (=fantasia). ESTÓRIA é sempre
ficção.
Não podemos é afirmar que a
palavra ESTÓRIA não existe, pois está devidamente registrada no Vocabulário
Ortográfico da Língua Portuguesa e em muitos dicionários: Cândido de
Figueiredo, Caldas Aulete, Aurélio, Michaelis…
Nós podemos, portanto, fazer a
velha distinção HISTÓRIA (=real) e ESTÓRIA (=ficção) ou usar a palavra HISTÓRIA
para os dois casos.
4ª) Comentário do leitor: “Não
existe HILÁRIO como adjetivo de ‘algo engraçado’, como insistem em escrever. O
dicionário registra HILARIANTE.”
O nosso querido leitor deve ter
sido traído da mesma forma como eu já fui muitas vezes. Consultar um único
dicionário é sempre perigoso. O dicionário Caldas Aulete só registra
HILARIANTE, entretanto a palavra HILÁRIO, usada como adjetivo (=que provoca o
riso), aparece em outros dicionários (Michaelis, Larousse, Ruth Rocha…) e no
Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa.
Eu também prefiro o adjetivo
HILARIANTE, mas não posso afirmar que HILÁRIO não existe.
A palavra é um assunto
riquíssimo que merece ser tratado com carinho e atenção.
ENTRE SI ou ENTRE ELES?
a) Usamos
ENTRE SI, sempre que o sujeito pratica e recebe a ação verbal: “Os políticos
discutiam entre si”. Aqui, o sujeito (=os políticos) pratica e recebe a ação
verbal.
b) Usamos
ENTRE ELES, quando o sujeito é um e o complemento é outro: “Nada existe entre
eles”. Nesse caso, o sujeito é “NADA” e o complemento é “ENTRE ELES”.
Vejamos mais exemplos:
“Os jogadores brigavam
ENTRE SI mesmos.”
“Eles repartiram
o prêmio ENTRE SI.”
“O prêmio foi
repartido ENTRE ELES.”
“O segredo ficou
ENTRE ELES mesmos.”
DESEMPOEIAR ou DESPOEIRAR?
Leitor quer saber: “Na área de
controle ambiental, vejo muito ‘SISTEMAS DE DESPOEIRAMENTO’. Prefiro ‘SISTEMAS
DE DESEMPOEIRAMENTO’. O verbo é EMPOEIRAR. O contrário não seria DESEMPOEIRAR?“
O nosso leitor tem razão em
parte. A maioria dos nossos dicionários só registra os verbos EMPOEIRAR e
DESEMPOEIRAR. Logo, a forma DESEMPOEIRAMENTO é a mais recomendável.
Entretanto, é importante saber
que o neologismo DESPOEIRAMENTO e o verbo DESPOEIRAR já estão devidamente
registrados no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, publicado pela
Academia Brasileira de Letras.
Portanto, você pode preferir a
forma DESEMPOEIRAMENTO, mas não deve afirmar que DESPOEIRAMENTO não existe ou
que seu uso esteja errado.
co� � # 6 ^ �� os observar o exemplo que um leitor nosso encontrou no livro Memorial
do Convento do grande
escritor português José Saramago: “…são eles quem está construindo a obra que
lhe vou mostrar…”
Nesse caso, embora o
antecedente esteja no plural, o autor faz o verbo concordar com o pronome QUEM:
“…eles quem ESTÁ construindo…”
Corretíssimo.
Pode-se tornar OU pode se tornar?
Leitor nos escreve: “Na versão eletrônica do Estadão, lia-se a
seguinte frase ‘Corinthians pode-se tornar campeão domingo’. Não sei se se trata
de um erro de impressão ou, pior ainda, de gramática, mas parece-me que a frase
é incorreta.”
A frase pode perecer estranha, mas não está errada. Trata-se de
uma ênclise do verbo auxiliar (=pode-se tornar). Essa colocação do pronome
átono após o verbo auxiliar é raríssima no português do Brasil. A maioria dos
brasileiros diria “Corinthians pode se tornar…” (sem
hífen = próclise do verbo principal).
Eu prefiro a ênclise do infinitivo: “Corinthians pode
tornar-se campeão no
domingo”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário