1. O alcoólatra e o alcoólico
A palavra álcool é de origem árabe e “latra” vem do grego. A
raiz grega “latria” significa “adoração” (idolatria = adoração de ídolos;
egolatria = adoração de si mesmo, do próprio “eu”). Assim sendo, alcoólatra é
“quem adora álcool”, é o “viciado em bebidas alcoólicas”.
A Associação dos Alcoólicos Anônimos (AAA) deveria ser chamada de “Associação
dos Alcoólatras Anônimos”. A troca de alcoólatra por alcoólico se deve,
provavelmente, à carga negativa que a palavra alcoólatra apresenta: é como se
fosse sinônimo de “doente irrecuperável, viciado sem salvação”. O uso de
alcoólico por alcoólatra é praticamente um eufemismo, ou seja, uma forma mais
suave de dizer a mesma coisa.
De eufemismos a nossa linguagem está cheia: “faltar com a verdade ou dizer
inverdades” por mentir; “enriquecer por meios ilícitos” por roubar; “descansar,
entregar a alma ao Criador e bater as botas” por morrer; “tumor maligno” por
câncer; “portador do vírus da Aids” por aidético…
É interessante observar que o uso de eufemismos se dá por vários motivos:
ironia, medo de ser grosseiro, atenuar o fato, ridicularizar o caso… O aspecto
psicológico está sempre presente.
Alcoólico, na sua origem, é um adjetivo e significa “relativo ao álcool ou o
que contém álcool”. Daí as bebidas alcoólicas, ou seja, bebidas que contêm
álcool. Entretanto é importante observar que os dicionários Aurélio e Houaiss
consideram alcoólico como sinônimo de alcoólatra também.
Portanto, no caso dos “Alcoólicos Anônimos”, a opção por alcoólico não está
errada. É uma questão eufêmica, ou seja, a preferência por uma palavra de carga
mais leve, mais suave.
Outra curiosidade é a palavra alcoolista, também registrada em nossos
dicionários como uma forma menos usada. Seria uma alternativa para alcoólico,
pois me parece que alcoolista não tem a carga negativa de alcoólatra.
Por fim, a ortografia. Em álcool, o acento agudo se deve ao fato de a palavra
ser proparoxítona. Alcoólico e alcoólatra também são palavras proparoxítonas. O
detalhe é o acento agudo no segundo “ó”.
Certa vez, ao entrar numa pequena cidade do interior de São Paulo, encontrei
uma placa: “Aqui tem Alcóolicos Anônimos”. O acento agudo no primeiro
“ó” indica a possibilidade de que o autor da placa estivesse de porre.
2. Elipse
ou eclipse
O eclipse é aquele fenômeno em que há o ocultamento do Sol ou da
Lua. Nós sabemos que eles estão lá, mas não os vemos.
A elipse é uma figura de estilo semelhante. Ocorre quando um termo fica oculto,
mas nós sabemos qual é. A elipse mais conhecida é a do sujeito. É o famoso
sujeito oculto. Não é necessário dizermos que “nós solicitamos aos senhores
que…” Basta “solicitamos”. Pela desinência do verbo (-mos), já sabemos que o
sujeito da oração só pode ser “nós”.
Outra elipse interessante é aquela em que usamos uma pausa (=vírgula) para
marcar a supressão do verbo, para evitar a repetição: “Ele não nos entende nem
nós, a ele”. Nesse caso, também chamada de zeugma, a vírgula substitui a forma
verbal: “nem nós entendemos a ele”.
A elipse também ocorre em várias expressões do dia a dia, como: “querem cassar
o senador”; “ele só nadou a prova dos 100 metros livre”.
No primeiro caso, subentende-se “cassar o mandato do senador”; e no último,
“100 metros nado (ou estilo) livre”.
É importante observar que a boa elipse é aquela que não prejudica a clareza da
frase.
Leitor reclama e quer saber a minha opinião a respeito do que ele julga ser um
péssimo hábito: o de agradecer dizendo “obrigado eu”.
É como eu costumo afirmar: não devemos reduzir tudo à simplista discussão de
certo ou errado.
Num agradecimento, o uso da palavra “obrigado” já caracteriza uma abreviação,
pois se origina da frase “estou obrigado a retribuir-lhe o favor”. Em razão
disso, a mulher deve dizer “obrigada”.
Assim sendo, a expressão “obrigado eu” não está errada. É apenas uma forma
popular, abreviada e até certo ponto carinhosa, de dizer que “quem está
obrigado a agradecer sou eu”.
3. Ele
corre risco de vida ou de morte?
Temos agora uma seleção de casos incoerentes ou absurdos. São
situações semelhantes ao do famoso “correr atrás do prejuízo”.
Só louco corre atrás do prejuízo. Do prejuízo eu fujo. Eu corro “atrás do
lucro”.
Outro caso curioso é o “correr risco de vida”.
Rigorosamente, nós corremos “risco de morte”. Nós não corremos “o risco de
viver”, e sim “o risco de morrer”. Nós sempre corremos o risco de alguma coisa
ruim. Ninguém “corre o risco de ser promovido”, mas corre o risco de ser
demitido. Ninguém “corre o risco de ganhar na loteria”, mas corre o risco de
perder todo o dinheiro no jogo, de ser roubado, de ir à falência…
Não é uma questão de certo ou errado. É apenas curioso. Trata-se de mais uma
elipse. Eu sei que está subentendido: “correr o risco de perder a vida”.
Portanto, as duas formas são corretas.
Parecidíssimo com o caso anterior é a tal da “crise do desemprego”.
Ora, na verdade, quem está em crise é o EMPREGO. Infelizmente, o desemprego vai
bem. Creio que hoje nós vivemos uma “crise de emprego”.
Também merece destaque a tal mania de “tirar a pressão”. Se eu “tirar
a pressão”, morro. É melhor medir ou verificar a pressão.
O assunto é muito interessante e ainda haveria muitos outros casos para
analisar. Vou deixar mais alguns para você “quebrar sua cabeça”:
“Dividiu o bolo em três metades”;
“O anexo segue em separado”;
“Eram dois homossexuais e uma lésbica”;
“Estou preso do lado de fora”;
“Por favor, me inclua fora disso”…
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