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segunda-feira, 8 de abril de 2013

Os sete pecados mortais da crase Do meu eterno mestre Édison de Oliveira, em Todo mundo tem dúvida, inclusive você. É impossível haver crase: 1º) antes de palavra masculina: “Ele está no Rio a serviço”; 2º) antes de artigo indefinido: “Chegamos a uma boa conclusão”; 3º) antes de verbo: “Fomos obrigados a trabalhar”; 4º) antes de expressão de tratamento: “Trouxe uma mensagem a Vossa Majestade”; 5º) antes de pronomes pessoais, indefinidos e demonstrativos: “Nada revelarei a ela, a qualquer pessoa ou a esta pessoa”; 6º) quando o “a” está no singular, e a palavra seguinte está no plural: “Referimo-nos a moças bonitas”; 7º) quando, antes do “a”, existir preposição: “Compareceram perante a Justiça”. Estamos “a sua disposição” ou “à sua disposição”? É um caso facultativo. Antes dos pronomes possessivos (minha, tua, sua nossa…), o uso dos artigos definidos é facultativo: “Este é o meu carro” ou “Este é meu carro”; “Aquela é a minha sala” ou “Aquela é minha sala”. Assim sendo, quando houver a preposição “a” antes de um pronome possessivo feminino singular, restará a dúvida cruel: existe ou não o artigo feminino singular “a” e, consequentemente, a crase? Como o uso do artigo antes do pronome possessivo é facultativo, o uso do acento da crase também o será: “Estamos à sua disposição” ou “Estamos a sua disposição”. Podemos comprovar tudo isso comparando com a forma masculina: “Estamos ao (= preposição “a” + artigo masculino “o”) seu dispor” ou “Estamos a (= só preposição) seu dispor”. Mesmo os doentes PARECE ou PARECEM que estão felizes? O certo é: “Mesmo os doentes PARECE que estão felizes.” O sujeito do verbo PARECER é a segunda oração (=que mesmo os doentes estão felizes). Em ordem direta, temos: “PARECE que mesmo os doentes estão felizes”. É interessante observar que o termo “os doentes” é o sujeito da segunda oração, do verbo ESTAR (=os doentes estão felizes). Ele DISSE ou TINHA DITO que chegaria cedo, mas chegou às 5h? A diferença entre DISSE e TINHA DITO é o tempo verbal: DISSE está no pretérito perfeito e TINHA DITO, no pretérito mais-que-perfeito do indicativo. O pretérito perfeito indica uma ação concluída no passado: “Ele disse, saiu, fez…”; o pretérito mais-que-perfeito indica uma ação anterior a outra ação que já está no passado: “Quando eu cheguei (pretérito perfeito = ação já passada), ele já tinha dito ou dissera ou havia dito, tinha saído ou saíra ou havia saído, tinha feito ou fizera ou havia feito (pretérito mais-que-perfeito = ação anterior à ação já passada)”. Assim sendo, quanto à pergunta do nosso leitor, o mais adequado é: “Ele tinha dito que chegaria cedo, mas chegou às 5h”. A ação de “dizer” é anterior a ação de “chegar”. O pretérito mais-que-perfeito é o passado do passado. VIETNÃ ou VIETNAM? “Por que alguns jornais insistem em grafar o nome do Vietnã na forma usada em inglês Vietnam? Os dicionários que consultei registram até uma variante Vietname, com “e” no final, mas nunca na versão inglesa?” Meu caro leitor, a grafia de nomes próprios é sempre um assunto polêmico. É briga sem fim. No meio jornalístico, não há tempo a perder. É por isso que cada jornal cria seus padrões. Não estamos, portanto, querendo dizer esta forma seja a correta e que aquela outra esteja errada. É apenas a nossa preferência. No caso do Vietnam, a nossa preferência se deve ao adjetivo pátrio. Se falamos vietnamita com “m”, e não “vietnanita”, considero o mais lógico é escrever Vietnam com “m”. Só isso. OS TUPI ou OS TUPIS? Reclamação do leitor: “Outro dia escrevi um e-mail questionando o não uso de concordância nominal nos nomes de grupos indígenas no livro de Eduardo Bueno. Infelizmente não obtive resposta.” É outro assunto polêmico. Os estudiosos das coisas indígenas afirmam que os nomes das nações indígenas não apresentam plural na sua forma original. Deveríamos dizer os tupi, os goitacá, os pataxó, os caeté… Há, entretanto, aqueles que defendem o aportuguesamento e consequente respeito às nossas regras gramaticais. Como as línguas indígenas são ágrafas (= sem escrita), a forma escrita só pode ser aportuguesada. Em razão disso, minha preferência é os tupis, os goitacás, os pataxós, os caetés…


Vou tentar responder objetivamente e com a maior simplicidade possível. Aqui no Brasil nós ainda falamos a língua portuguesa. Temos, na minha opinião, um falar brasileiro, que seria um modo brasileiro de usar a língua portuguesa.
É importante lembrar o que afirmaram alguns estudiosos: o professor Antenor Nascentes não falava em língua brasileira e sim em “idioma nacional”; o mestre Gladstone Chaves de Melo falava em língua comum e variantes regionais; e o grande filólogo Serafim da Silva Neto afirmou que o português culto do Brasil é quase igual ao português culto de Portugal. Isso significa, portanto, que as diferenças maiores estão na linguagem do dia a dia.
No livro A língua portuguesa e a unidade do Brasil, o mestre Leodegário de Azevedo Filho resume bem: “Em poucas palavras, existe unidade na variedade de normas e de usos linguísticos. E isso porque, se os morfemas gramaticais permanecem os mesmos, a língua não mudou, a despeito de qualquer variação de pronúncia, de vocabulário ou mesmo de sintaxe.”
O que existe na verdade são variantes linguísticas:
a)    variantes geográficas: nacionais (Brasil, Portugal, Angola…) e regionais (falar gaúcho, mineiro, baiano, pernambucano…);
b)    variantes socioeconômicas (vulgar, popular, coloquial, culto…);
c)    variantes expressivas (linguagem da prosa, linguagem poética).
Quem estiver interessado em ver o assunto analisado com maior
profundidade poderá consultar os respeitadíssimos Celso Cunha e Lindley Cintra, na Nova Gramática do Português Contemporâneo, e a Moderna Gramática Portuguesa do nosso querido e eterno mestre Evanildo Bechara.
O importante mesmo é respeitar as diferenças, sejam fonéticas, semânticas ou sintáticas. Vejamos rapidamente algumas diferenças entre o português do Brasil e o de Portugal.
Uma diferença fonética bem perceptível é a pronúncia das vogais. Aqui no Brasil, nós pronunciamos bem todas as vogais, sejam tônicas ou átonas. Em Portugal, a tendência é só pronunciar bem as vogais tônicas. As vogais átonas são verdadeiramente átonas (=fracas). Uma consequência disso é a colocação dos chamados pronomes átonos (me, te, se, o, lhe, nos…). Em Portugal, por ter a pronúncia fraca, não se põe o pronome átono no início da frase: “Dê-me um cigarro”; no Brasil, como as vogais átonas são pronunciadas como se fossem tônicas, não temos nenhuma dificuldade em pôr os pronomes átonos no início da frase: “Me dá um cigarro”. É assim que o brasileiro fala. E quando me refiro ao brasileiro, estou falando do brasileiro em geral, de todos os níveis sociais e culturais. Não estou fazendo referência ao “povo” com aquela conotação pejorativa e discriminatória que alguns ainda atribuem à palavra. Absurdo é considerar “erro” o uso dos pronomes átonos no início da frase.
Diferenças semânticas existem muitas. Algumas famosas já viraram até piada. Em Portugal, “uma bicha enorme” não é nada mais do que “uma fila imensa”, sem nenhuma outra conotação que algum brasileiro queira dar.
E diferenças sintáticas também existem. No Brasil, nós preferimos o gerúndio (“Estamos trabalhando”); em Portugal, preferem o infinitivo (“Estamos a trabalhar”). No Brasil, gostamos da forma “você”; em Portugal, usam mais o pronome “vos”: “Se eu lesse para você” e “Se eu vos lesse”. Aqui “falar consigo” é “falar com si mesmo”; em Portugal “falar consigo” é “falar com você”. Em Portugal, é frequente o uso de “mais pequeno”; no Brasil, aprendemos que o certo é falar “menor”, que “mais pequeno” é “errado”.
E assim voltamos ao ponto de partida: a eterna briga do certo e do errado. Espero que me perdoem pela repetição, mas não é uma questão simplista de certo ou errado. É uma questão de adequação. Usar “mais pequeno” no Brasil é tão inadequado quanto iniciar uma frase com um pronome átono em Portugal.
Por que eu teria de afirmar que alguém está falando “errado” quando o carioca fala “sinal”, o paulista prefere “farol” e o gaúcho usa “sinaleira”? Afinal das contas, é tudo semáforo.

Segue ANEXO ou ANEXA?
O termo ANEXO é um adjetivo. Deve, portanto, concordar em gênero e número com o substantivo a que se refere:
Segue anexo o relatório;
·         Segue anexa a nota fiscal;
·         Seguem anexos os relatórios;
·         Seguem anexas as notas fiscais.
Em textos que exijam uma linguagem formal, alguns autores sugerem que evitemos o uso da expressão “em anexo”. Isso é uma questão de preferência, e não de certo ou errado.

Não sabia o que FIZESSE ou o que FAZER?
Pergunta de leitor: “No interior do Maranhão e no Nordeste em geral, dizemos ‘Eu não sabia o que fizesse’. No Rio e no Sul geralmente dizem ‘Eu não sabia o que fazer’. Cheguei a pensar que esta última fosse a expressão correta, mas José de Alencar (nordestino), no romance Senhora(Coleção Prestígio-Ediouro-33ª edição-1996-página 126, linha 13), pelo menos duas vezes, emprega o “fizesse”. Qual é a forma correta?”
Não é uma questão de certo ou errado. Você mesmo já descobriu a resposta. Temos aqui uma construção típica da fala nordestina. José de Alencar talvez tenha sido o primeiro autor brasileiro a se preocupar com a linguagem brasileira. Em sua vasta obra literária, é frequente a presença de algumas estruturas típicas do português falado no Brasil.
É importante lembrar, entretanto, que num texto em que se exija a linguagem padrão, devemos usar o infinitivo: “Eu não sabia o que fazer”.

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